Saturday, April 29, 2006

O Meu Olhar



O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...



Alberto Caeiro

Friday, April 21, 2006

Os teus pés


Quando não te posso contemplar
Contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
Teus pequenos pés duros,

Eu sei que te sustentam
E que teu doce peso
Sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
A duplicada purpura
Dos teus mamilos,
A caixa dos teus olhos
Que há pouco levantaram voo,
A larga boca de fruta,
Tua rubra cabeleira,
Pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
É só porque andaram
Sobre a terra e sobre
O vento e sobre a água,
Até me encontrarem.



Pablo neruda

onde o fogo...

a boca
onde o fogo
de um verão
muito antigo

cintila,

a boca espera

(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)

espera o ardor
do vento
para ser ave,

e cantar.
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Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?


Eugénio de Andrade

Tuesday, April 18, 2006

Há palavras que nos beijam ...

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre o’neil

Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.


Manuel bandeira
««««««««««««

Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.


Maria do Rosário Pedreira

Thursday, April 13, 2006

Enquanto houver uns olhos que reflectem
outros olhos que os fitam,
enquanto a boca responda a suspirar
aos lábios que suspiram,
enquanto sentir-se possam ao beijar-se
duas almas confundidas,
enquanto exista uma mulher formosa,
haverá poesia!




Se receoso se turba na alta noite
teu peito em flor,
ao sentires um hálito em teus lábios,
abrasador,
lembra-te que invisível ao teu lado
respiro eu.


Gustavo Adolfo Bécquer

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

«««««««««««


Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

Garcia Lorca

Wednesday, April 12, 2006

Quero fugir a cem léguas da razão

Quero fugir a cem léguas da razão,
Quero da presença do bem e do mal me liberar.
Detrás do véu existe tanta beleza: lá está meu ser.
Quero me enamorar de mim mesmo, ó vós que não sabeis!



Sobe-me na alma, que ando a procurar-te

Os anjos são rijos como as pedras
E leves como as plumas.
Na leira rasa das aves, Tu que redras
Terra, névoas e espumas,
-Deus, de teu nome!- sabes
que um anjo é pouco e imenso:
Por isso cabes
no anjo e ergues o incenso.

Desfaleço a pensar-te
Ó ser de anjos e Deus
Que baixa em mim:
Sobe-me na alma, que ando a procurar-te
E dizendo-te Deus
Acho-te assim.

Lívidos, sem respiração
Ficávamos do toque
Da primeira asa vinda;
Mas eles rondam apenas a oração
Que murmura os evoque
E vão-se e tornam ainda.

Deles para cima, ainda mais graus de glória
Relutam ao sentido
Que deles vem á memória
Como uma bolha de ar na água de olvido:
No mais, são tão pesados,
Os anjos leves ao justo...
Tão alados,
Mas desgostosos do nosso susto!

É isso! Disse-mo agora
O verbo súbito surpreso:
Ser anjo é espanto da demora
Nossa e do peso pávido
Que nos estende.
Terrível é quem toca terra
Para a levar, e não a rende.

Que o anjo de si é ávido
De transe e rapidez,
E é ele que chora
Nosso chumbo hora a hora
É ele que não entende
A nossa estupidez.


de Vitorino Nemésio

Thursday, April 06, 2006

A alma é a fonte


Toda forma que vês
tem seu arquétipo no mundo sem-lugar.
Se a forma esvanece, não importa,
permanece o original.
As belas figuras que viste,
as sábias palavras que escutaste,
não te entristeças se pereceram.
Enquanto a fonte é abundante,
o rio dá água sem cessar.
Por que te lamentas se nenhum dos
dois se detém?
A alma é a fonte,
e as coisas criadas, os rios.
Enquanto a fonte jorra, correm os rios.
Tira da cabeça todo o pesar
e sorve aos borbotões a água deste rio.
Que a água não seca, ela não tem fim.
Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti,
para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode ser isto segredo para ti?
Finalmente foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo; um punhado de pó
vê quão perfeito se tornou!
Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.
Passa de novo pela vida angelical,
entra naquele oceano,
e que tua gota se torne o mar,
cem vezes maior que o Mar de Oman.
Abandona este filho que chamas corpo
e diz sempre Um; com toda a alma.
Se teu corpo envelhece, que importa?
Ainda é fresca tua alma.



Rumi

Wednesday, April 05, 2006



Sobre o meu rosto rolou uma lágrima solta,
sem que eu saiba de que fonte veio…





OS DOIS ROSTOS

Era o suspense de que ela vinha e trazia flores.
Sorrindo como nos filmes, vestia um vestido de fantasia,
ou um manto longo ás cores…
Parecia a fada que eu esperava quando era criança.
Subitamente transformava-se na madrasta
que nos ameaça de matar à fome…


r.l.p.

Tuesday, April 04, 2006

experiência



*
O dia é longo
muitas as horas e nelas todas
nem um minuto é de amor...


**
No princípio desta casa nós amavamo-nos.
Tu vinhas e o meu coração dançava...


***
É um estado singular este,
um respirar diferente.
A minha alma canta de prazer.

****
O coração é um Templo de onde imana a Luz
que inunda cada célula.
Nele se revela a essência do ser...

*****
Tem a vida um novo gosto
se de mim nasce a certeza.
Caminhar o além não é longe...


rosaleonorpedro

Quando Tornar a Vir a Primavera

Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.


Alberto Caeiro

Monday, April 03, 2006

« J’AI TANT BESOIN DE PITIÉ ET DE TENDRESSE… »

J’ADORE
(…)
Je t’adore. Je voudrais m’agenouiller, joindre les mains, t’embrasser partout à la fois. Près de toi je ne peux que recueillir en fermant les yeux et changer les minutes légères en sentiments profonds.
Il me serait égal d’être le plus pauvre de tous les pauvres et d’avoir froid pourvu que j’aime. Et il me serait égal d’être seul pourvu que j’aie de l’amour dans le cœur. Je suis devenu semblable à ma vie, semblable à moi-même, semblable à plus tard, à mon Paradis, ayant l’avenir dans la main puisque j’ai l’amour.
Existe-tu ? Est-ce à quelqu’un que je m’adresse ? Est-ce que je ne fais pas qu’appeler le vide ? Peut-être est-ce une étoile que j’entoure de mes rêves ?


In. J’ADORE de Jean Desbordes (né en 1906)