Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;
E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.
Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:
Andorinha indene ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Natália Correia
Sunday, May 29, 2005
Teu corpo/meu espaço
À MEMÓRIA DA POETISA QUE UM DIA CONHECI EM PARIS...
Teu corpo é raiz
rasgando a terra nua
do meu sexo
Teu corpo é vertical
onde os meus dedos tocam as distâncias
Teu corpo é diálogo sem palavras
O grito em ressonância
no meu espaço
Manuela Amaral
Teu corpo é raiz
rasgando a terra nua
do meu sexo
Teu corpo é vertical
onde os meus dedos tocam as distâncias
Teu corpo é diálogo sem palavras
O grito em ressonância
no meu espaço
Manuela Amaral
Ser mulher
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor...
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
Gilka Machado
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor...
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
Gilka Machado
Saturday, May 28, 2005
Rejeita o aplauso, ó crente; o aplauso conduz à ilusão de si próprio. O teu corpo não é Personalidade, a tua Personalidade é, em si, sem corpo, e o elogio ou a censura não a atingem.
"O contentamento de si próprio, ó discípulo, é uma torre altíssima, à qual um insensato orgulhoso subiu.
Ali se senta em orgulhosa solidão, invisível a todos, salvo a si próprio.
Excertos de "A VOZ DO SILÊNCIO"
H.P.Blavatsky
(Traduzido por Fernando Pessoa)
"O contentamento de si próprio, ó discípulo, é uma torre altíssima, à qual um insensato orgulhoso subiu.
Ali se senta em orgulhosa solidão, invisível a todos, salvo a si próprio.
Excertos de "A VOZ DO SILÊNCIO"
H.P.Blavatsky
(Traduzido por Fernando Pessoa)
UM DIA QUE NÃO CHEGA
ando a inventar um dia
que não chega
desde o distante dia
em que nasci
tempo do não ruído
azul e violeta como os céus
numa pintura antiga
todos à escuta
de alguma coisa na linha muda do horizonte sem fim
alguma coisa que haveria de nos tocar
como a cor da terra
como sal de água espumosa e viva
na pele de alguém adormecido
um tempo
para entrançar
flores e esperança
nos membros soltos da mulher dançante
para abrigar
a luz e a sombra
na cova uterina dos princípios
um tempo
para juntar mortos e vivos
no mesmo mantra redentor
como
quando os cenários se apagam
no sentir do abraço
e tudo nos parece
desmedidamente
uma coisa só
MARIANA INVERNO
que não chega
desde o distante dia
em que nasci
tempo do não ruído
azul e violeta como os céus
numa pintura antiga
todos à escuta
de alguma coisa na linha muda do horizonte sem fim
alguma coisa que haveria de nos tocar
como a cor da terra
como sal de água espumosa e viva
na pele de alguém adormecido
um tempo
para entrançar
flores e esperança
nos membros soltos da mulher dançante
para abrigar
a luz e a sombra
na cova uterina dos princípios
um tempo
para juntar mortos e vivos
no mesmo mantra redentor
como
quando os cenários se apagam
no sentir do abraço
e tudo nos parece
desmedidamente
uma coisa só
MARIANA INVERNO
Wednesday, May 25, 2005
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida...
"A direção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida... "
(...)
Fernando Pessoa..
A nossa incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa vida, o mãe, a nossa perdida vida... "
(...)
Fernando Pessoa..
Pelas malditas horas que vivi
Pelo sagrado amor que vem de ti,
amor que eu amo com amor sagrado;
pelo Ideal descoberto e realizado,
- bendita seja a hora em que te vi!
no desejo de amor tão desejado;
pelas horas benditas ao teu lado,
- bendita seja a hora em que nasci!
Pelo triunfo enorme, pelo encanto
que me trouxeste, é que eu bendigo tanto
a hora suave que te viu nascer...
Amor do meu amor! Amor tão forte,
que se um dia sentir a tua morte,
será bendita a hora em que eu morrer!
VIRGÍNIA VITORINO (1897-1967)
amor que eu amo com amor sagrado;
pelo Ideal descoberto e realizado,
- bendita seja a hora em que te vi!
no desejo de amor tão desejado;
pelas horas benditas ao teu lado,
- bendita seja a hora em que nasci!
Pelo triunfo enorme, pelo encanto
que me trouxeste, é que eu bendigo tanto
a hora suave que te viu nascer...
Amor do meu amor! Amor tão forte,
que se um dia sentir a tua morte,
será bendita a hora em que eu morrer!
VIRGÍNIA VITORINO (1897-1967)
Sunday, May 22, 2005
A DEUSA
Ah, verdadeiramente a deusa! -
A que ninguém viu sem amar
E que já o coração endeusa
Só com sòmente a adivinhar.
Por fim magnânima aparece
Naquela perfeição que é
Uma estátua que a vida aquece
E faz da mesma vida fé.
Ah, verdadeiramente aquela
Com que no túmulo do mundo
O morto sonho, como a estrela
Que há-de surgir no céu profundo.
IN poesias inéditas - FERNANDO PESSOA
NÃO
Não formar nenhuma ideia
do que somos ou seremos
mas entre as vozes que fogem
precisar o que dizemos.
Dormir sonos ante-céus
abismos que são infernos.
Dormir em paz. Dormir paz,
enfim a nota segura.
Lembrar pessoas e dias
que penetram no espaço
de eventos primaveris.
E dar as mãos aos espectros
beijá-los lendas, perfis.
Amar a sombra, a penumbra
correr janelas e véus.
Saber que nada é verdade.
Dizer amor ao deserto
abraçar quem nos ignora
dormir com quem não nos vê
mas precisar do calor
de quem nunca nos encontra.
NATÉRCIA FREIRE
do que somos ou seremos
mas entre as vozes que fogem
precisar o que dizemos.
Dormir sonos ante-céus
abismos que são infernos.
Dormir em paz. Dormir paz,
enfim a nota segura.
Lembrar pessoas e dias
que penetram no espaço
de eventos primaveris.
E dar as mãos aos espectros
beijá-los lendas, perfis.
Amar a sombra, a penumbra
correr janelas e véus.
Saber que nada é verdade.
Dizer amor ao deserto
abraçar quem nos ignora
dormir com quem não nos vê
mas precisar do calor
de quem nunca nos encontra.
NATÉRCIA FREIRE
Thursday, May 19, 2005
minha raiva de ternura
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda
Maria Tereza Horta
Meu ser vive na Noite e no Desejo.
Minha alma é uma lembrança que há em mim
FERNANDO PESSOA
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda
Maria Tereza Horta
Meu ser vive na Noite e no Desejo.
Minha alma é uma lembrança que há em mim
FERNANDO PESSOA
Se eu fosse apenas uma rosa
Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!
Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!
Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
– de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...
Cecília Meireles
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!
Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!
Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
– de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...
Cecília Meireles
Saturday, May 07, 2005
voar na minha alma
Ao céu da tua boca eu quero ir
e na minha língua sentir o néctar jorrar...
Enquanto tu, figura alada,
com as tuas asas te debates para o espírito deste mundo libertar,
eu convulsamente mergulho no teu ventre
indo ao mais fundo do teu ser, ouvir o teu coração bater
para romper os véus da nossa existência,
vir de novo à terra
voltar ao céu da tua boca
e voar na minha alma ao teu lado deitada.
in "Mulher Incesto"
r.l.p.
e na minha língua sentir o néctar jorrar...
Enquanto tu, figura alada,
com as tuas asas te debates para o espírito deste mundo libertar,
eu convulsamente mergulho no teu ventre
indo ao mais fundo do teu ser, ouvir o teu coração bater
para romper os véus da nossa existência,
vir de novo à terra
voltar ao céu da tua boca
e voar na minha alma ao teu lado deitada.
in "Mulher Incesto"
r.l.p.
Friday, May 06, 2005
Mas há a vida
Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida, há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.
Clarice Lispector
“[...] O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!”
Florbela Espanca, Carta no. 147, volume V, Lisboa, junho de 1930
que é para ser
intensamente vivida, há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.
Clarice Lispector
“[...] O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!”
Florbela Espanca, Carta no. 147, volume V, Lisboa, junho de 1930
SAUDADA DA ALMA
Vejo o mundo os barcos
o inebriante azul que nos perpassa
não te vejo só aos barcos
mais a sombria nuvem que ora passa
Sinto quase mágoa, quase uma dor
Não te vejo só ao vento
Onde estarão alma amada
as nossas amplas asas de condor?
TESSA ESTATE
o inebriante azul que nos perpassa
não te vejo só aos barcos
mais a sombria nuvem que ora passa
Sinto quase mágoa, quase uma dor
Não te vejo só ao vento
Onde estarão alma amada
as nossas amplas asas de condor?
TESSA ESTATE
Wednesday, May 04, 2005
Vôo
Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.
Cecília Meireles
Fecundação
Teus olhos me olham
longamente,
imperiosamente...
de dentro deles teu amor me espia.
Teus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura
Tua mão contém a minha
de momento a momento:
é uma ave aflita
meu pensamento
na tua mão.
Nada me dizes,
porém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
Teu olhar abre os braços,
de longe,
à forma inquieta de meu ser;
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
Tem teu mórbido olhar
penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas.
Gilka Machado
longamente,
imperiosamente...
de dentro deles teu amor me espia.
Teus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura
Tua mão contém a minha
de momento a momento:
é uma ave aflita
meu pensamento
na tua mão.
Nada me dizes,
porém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
Teu olhar abre os braços,
de longe,
à forma inquieta de meu ser;
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
Tem teu mórbido olhar
penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas.
Gilka Machado
Sunday, May 01, 2005
BRANCAS ROSAS...
EDÍLIO
A luz do teu olhar
Fundo meu corpo em sonho, em lágrimas e luar!
Teu divino sorriso
É voz de anjo a mandar-me entrar no Paraíso...
Teu sorriso, que me lembra a doce aurora,
Minhas lágrimas tristes evapora
E, nos meus olhos, fica a tua imagem bela...
Assim o fresco orvalho matutino,
Onde encantado vive o sol menino,
Deixa, nas brancas rosas, uma estrela...
Ao descobrir-te, flor,
Todo me exalto e elevo, em cânticos de amor,
Perco-me na amplidão...
Sou asa entontecida, aroma, comoção,
Se me tocam, de leve,
Os teus olhos de chama e as tuas mãos de neve!
Alegre, choro; rio, sempre aflito!
Canto, soluço e grito!
Sou oração, queixume,
Relâmpago, nevoeiro, onde do mar, perfume,
Quando, da tua face,
Límpida rosa nasce
E de ti se desprende o encanto da manhã,
Que é tua sombra mística e pagã;
Quando, ao doirado zéfiro, estremeces
E, aureolada de beijos, resplandecentes,
Como florido arbusto...
E és o sol esculpido em feminino busto.
(continua)
in VIDA ETÉREA -TEIXEIRA DE PASCOAIS
À MINHA MÃE...
TERRA SEM MÃE...
Infinita nostalgia
A de teus braços.
Ombros vergados
pela memória
de me teres ao colo.
Mãe de mãos esguias
tua filha espera.
Vem junto a mim
para que te conte
como o medo é certo.
Imaculada, branca dor
a de te sentir tão viva
o tempo já sabe a mágoa
quando te digo, volta,
e tudo se desmorona.
No colo o filho
conta-me histórias
de como a dádiva
o adormecia
na tua voz.
Choro, porque agora é tarde
E nem sei onde estás
Nesse céu tão vasto
Sem lugar para mim.
In TERRA SEM MÃE
ANA MARQUES GASTÃO
Infinita nostalgia
A de teus braços.
Ombros vergados
pela memória
de me teres ao colo.
Mãe de mãos esguias
tua filha espera.
Vem junto a mim
para que te conte
como o medo é certo.
Imaculada, branca dor
a de te sentir tão viva
o tempo já sabe a mágoa
quando te digo, volta,
e tudo se desmorona.
No colo o filho
conta-me histórias
de como a dádiva
o adormecia
na tua voz.
Choro, porque agora é tarde
E nem sei onde estás
Nesse céu tão vasto
Sem lugar para mim.
In TERRA SEM MÃE
ANA MARQUES GASTÃO
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