Saturday, May 31, 2014

4 poemas de Judithe Teixeira



MÚSICA
Ela passa,
a papoila rubra,
esvoaçando graça,
a sorrir...
Original tentação
de estranho sabor:
a sua boca - romã luzente,
a refulgir!...

As mãos pálidas, esguias,
dolorosas soluçando,
vão recortando
em ritmos de beleza
gestos de ave endoidecida...
Preces, blasfémias,
cálidas estesias
passam delirando!...

Mordendo-lhe o seio
túrgido e perfurante,
delira a flama sangrenta
dos rubis...
E a cinta verga, flexuosa,
na luxuria dominante
dos quadris...

Um jeito mais quebrado no andar...

Um pouco mais de sombra no olhar
bistrado de lilás...


E ela passa
entornando dor,
a agonizar beleza!...
Um sonho de volúpia
que logo se desfaz,
em ruivas gargalhadas
dispersas... desgrenhadas!...

Magoam-se os meus sentidos
num cálido rubor...

E nos seus braços endoidecem
as anilhs d'oiro refulgindo
num feérico clamor!...

E ela passa...

Fulva, esguia, incoerente...
Flor de vicio
esvoaçando graça
na noite tempestuosa
do meu olhar!...
Como uma brasa ardente,
e infernal e dolorosa,
... a bailar...

a bailar!...

 
MÚSICA
No meu peito alvo, de neve,
as claras pétalas dos teus dedos,
finas e alongadas,
tombaram como rosas desfolhadas
à luz espásmica e fria
deste entardecer...
E o meu corpo sofre,
ébrio de luxúria, um mórbido prazer!

A cor viva dos teus beijos,
meu amor,
prolonga ainda mais o meu tormento,
na trágica dor
deste desvestir loiro e desolado
do Outono...
Repara agora, como o sol morre
num agónico sorrir
doloroso e lento!...
……………………………………………..

Noite... um abismo...
sombras de medo!
Tumultuam mais alto os teus desejos!
Sobe o clamor do meu delírio
e a brasa viva dos teus beijos,
num rúbido segredo,
vai-me abrindo a carne em sulcos de martírio!

MÚSICA

Através dos vitrais
ia a luz a espreguiçar-se
em listas faiscantes,
sob as sedas orientais
de cores luxuriantes!

Sons ritmados dolentes,
num sensualismo intenso,
vibram misticismos decadentes
por entre nuvens de incenso.

Longos, esguios, estáticos,
entre as ondas vermelhas do cetim,
dois corpos esculpidos em marfim
soergueram-se nostálgicos,
sonâmbulos e enigmáticos...

Os seus perfis esfingicos,
e cálidos
estremeceram
na ânsia duma beleza pressentida,
dolorosamente pálidos!

Fitaram-se as bocas sensuais!
Os corpos subtilizados,
femininos,
entre mil cintilações
irreais,
enlaçaram-se
nos braços longos e finos!

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E morderam-se as bocas abrasadas,
em contorções de fúria, ensanguentadas!

..............................................

Foi um beijo doloroso,
a estrebuchar agonias,
nevrótico ansioso,
em estranhas epilepsias!
..............................................

Sedas esgarçadas,
dispersão de sons,
arco-iris de rendas
irisando tons...
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E ficou no ar
a vibrar
a estertorar,
encandescido,
um grito dolorido.

MÚSICA

Devagar...
outro beijo... ou ainda...
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!

Mais beijos!...
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!

Sim, amor..
deixa que se alongue mais
este momento breve!...
— que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
que nos leve!