Friday, November 24, 2006

ACORDASTE...

Feliz de quem passou, por entre a mágoa
E as paixões da existência tumultuosa,
Inconsciente como passa a rosa,
E leve como a sombra sobre a água.

Era-te a vida um sonho: indefinido
E ténue, mas suave e transparente,
Acordaste… sorridente… e vagamente
Continuaste o sonho interrompido.


Antero de Quental

EU TE ESPEREI TODOS OS SÉCULOS

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?


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No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto

Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.


Cecília Meireles

Friday, November 17, 2006


"Temos de descobrir por nós mesmos - e não por intermédio de quem quer que seja - o que é a meditação. Tem-se aceitado a autoridade de instrutores, salvadores e mestres. Se realmente queremos saber o que é a meditação temos de pôr de lado toda a autoridade."
****

"Na meditação temos de descobrir se é possível um cessar dos conhecimentos, e libertarmo-nos, assim, do conhecido."


J. Krishnamurti

REDONDA A LUZ E NÓS...

Minha alma descansa na tua alma,
onde a luz jamais
desativada:
é um navio de longo
curso pela água.

Redonda a luz e nós
atracamos na foz
com o fundo calmo.
Em mim te almas
e te amando, eu almo.


Carlos Nejar

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Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida
.

Natália Correia

Monday, November 13, 2006

O LOUCO DE SHAKTI

“A mulher é por essência a animadora e a inspiradora,
É ela que faz jorrar a iluminação no coração do homem
E o homem tendo-se tornado consciente exprime-se como poeta,
Comporta-se como cavaleiro e age como Mago.
Mago-sacerdote que celebra um culto de que a mulher se torna Deusa.
A Mulher tornando-se ela, a sacerdotisa de um Deus
Que só pede abandono, liberdade e mistério.”


Thesaurus Magia de Valentin Bresle
Citado In O LOUCO DE SHAKTI – REMI BOYER

O CÁLICE



Beijar-te a planta dos pés
As raízes, as ramificações, os meridianos...
o chão que pisas, a árvore, a semente,
o fruto, o teu ventre doce e quente
e chegar ao teu coração.
Alimentar-me de ti, crescer.
E como uma pantera, selvagem,
com as minhas garras,
revolver a terra, os veios, um a um.
Encontrar a água e beber
do teu corpo vaso redentor
até me saciar.
Seca ou húmida a via alquímica
da matéria prima...
Mulher-Matriz.

in "ANTES DO VERBO ERA O ÚTERO"
Rosa Leonor Pedro




O AMANTE INVISÍVEL

Quero suprimir o tempo e o espaço
A fim de me encontrar sem limites unido ao teu ser,
Quero que Deus aniquile minha forma atual e me faça voltar a ti,
Quero circular no teu corpo com a velocidade da hóstia,
Quero penetrar nas tuas entranhas
A fim de ter um conhecimento de ti que nem tu mesma possuis,
Quero navegar nas tuas artérias e confabular com teu sangue,
Quero levantar tua pálpebra e espiar tua pupila quando acordares,
Quero baixar a nuvem para que teu sono seja calmo,
Quero ser expelido pela tua saliva,
Quero me estorcer nos teus braços
Quando os fundamentos da terra se abalarem nos teus pesadelos,
Quero escrever a biografia de todos os átomos do teu corpo,
Quero combinar os sons
Para que a música da maior ternura embale teus ouvidos,
Quero mandar teu nome nas flechas dos ventos
Para que outros povos te conheçam do outro lado do mar,
Quero forçar teu pensamento a pensar em mim,
Quero desenhar diante de teus olhos
O Alfa e Ômega nos teus instantes de dúvida,
Quero subir em ramagem pelas tuas pernas,
Quero me enrolar em serpente no teu pescoço,
Quero ser acariciado em pedra pelas tuas mãos,
Quero me dissolver em perfume nas tuas narinas,
Quero me transformar em ti.


(Murilo Mendes: A Poesia em Pânico. 1936-1937)

Saturday, November 11, 2006

Última frase




Minha alma ergueu-se para além de ti...
Tive a ânsia de mais alto
—abri as asas, parti!

Ilusão


Vens todas as madrugadas
prender-te nos meus sonhos,
—estátua de Bizâncio
esculpida em neve!
e poisas a tua mâo
mavia e leve
nas minhas pálpebras magoadas...

Vens toda nua, recortada em graça
rebrilhante, iluminada!
Vejo-te cegar
como uma alvorada
de sol!...
E o meu corpo freme,
e a minha alma canta,
como um enamorado rouxinol!

Sobre a nudez moça do teu corpo,
dois cisnes erectos
quedam-se cismando em brancas estesias
e na seda roxa
do meu leito,
em rúbidos clarões,
nascem, maceradas,
as orquídeas vermelhas
das minhas sensações!...

Es linda assim; toda nua,
no minuto doce
em que me trazes
a clara oferta do teu corpo
e reclamas firmemente
a minha posse!...

Quero prender-me á mentira loira
do teu grácil recorte...
E os teus viejos perfumados,
nenúfares desfolhados
pela rajada dominante e forte
das minhas crispações,
tombam sobre eu meus nervos
partidos... estilhaçados!


Judite Teixeira

Monday, November 06, 2006

tu vens das estrelas

o teu cântico
é uma rosa tatuada na minha face




se teu irmão for morto
enquanto crescem rosas no jardim
chora-o pela noite
contemplando as estrelas.

dizem os sábios que chove por nós
quando uma lágrima se desprende do peito.

não escrevas sobre ela nem
sobre a dor que te atravessa
como uma colmeia.
ajoelha sobre o solo como um Cavaleiro .

desde então habitarás entre os Imortais.

tu vens das estrelas.



(maat)
À ESPERA

Um ser doido,
um ser farol,
um ser mil vezes suprimido,
um ser exilado do fundo do horizonte,
um ser gritando do fundo do horizonte,
um ser magro,
um ser íntegro,
um ser altivo,
um ser que quereria ser,
um ser na batida de duas épocas que se entrechocam,
um ser nos gases venenosos das consciências que sucumbem,
um ser como no primeiro dia,
um ser…


Tradução de Júlio Henrique
Henri Michaux

Friday, November 03, 2006

O MEU CAMINHO


ESTA É A ÚNICA PORTA
QUE TODOS OS DIAS SE ME ABRE.
A TUA FECHOU-SE...
"A gente sempre destroi aquilo que mais ama - em campo aberto ou numa emboscada. Alguns, com a leveza do carinho; outros, com a dureza da palavra. Os covardes destroem com um beijo; os valentes, destroem com a espada..."
(Oscar Wilde)

Los amorosos callan

Los amorosos callan.
El amor es el silencio más fino,
el más tembloroso, el más insoportable.
Los amorosos buscan,
los amorosos son los que abandonan,
son los que cambian, los que olvidan.
Su corazón les dice que nunca han de encontrar,
no encuentran, buscan.


Los amorosos andan como locos
porque están solos, solos, solos,
entregándose, dándose a cada rato,
llorando porque no salvan al amor.
Les preocupa el amor. Los amorosos
viven al día, no pueden hacer más, no saben.
Siempre se están yendo,
siempre, hacia alguna parte.
Esperan,

no esperan nada, pero esperan.
Saben que nunca han de encontrar.
El amor es la prórroga perpetua,
siempre el paso siguiente, el otro, el otro.
Los amorosos son los insaciables,
los que siempre —¡qué bueno!— han de estar solos.
Los amorosos son la hidra del cuento.
Tienen serpientes en lugar de brazos.
Las venas del cuello se les hinchan
también como serpientes para asfixiarlos.
Los amorosos no pueden dormir
porque si se duermen se los comen los gusanos.

En la obscuridad abren los ojos
y les cae en ellos el espanto.


Encuentran alacranes bajo la sábana
y su cama flota como sobre un lago.
Los amorosos son locos, sólo locos,
sin Dios y sin diablo.
Los amorosos salen de sus cuevas
temblorosos, hambrientos,
a cazar fantasmas.
Se ríen de las gentes que lo saben todo,
de las que aman a perpetuidad, verídicamente,
de las que creen en el amor
como en una lámpara de inagotable aceite.

Los amorosos juegan a coger el agua,
a tatuar el humo, a no irse.
Juegan el largo, el triste juego del amor.
Nadie ha de resignarse.
Dicen que nadie ha de resignarse.
Los amorosos se avergüenzan de toda conformación.
Vacíos, pero vacíos de una a otra costilla,
la muerte les fermenta detrás de los ojos,
y ellos caminan, lloran hasta la madrugada
en que trenes y gallos se despiden dolorosamente.
Les llega a veces un olor a tierra recién nacida,
a mujeres que duermen con la mano en el sexo, complacidas,
a arroyos de agua tierna y a cocinas.
Los amorosos se ponen a cantar entre labios
una canción no aprendida


Y se van llorando, llorando
la hermosa vida.


JAIME SABINES

Wednesday, November 01, 2006

rubaiyat

CXXV

Se quiseres conquistar a solidão magnífica das estrelas e flores, separa-te de todos os homens afasta-te de todas as mulheres. Não te entendas com ninguém. Não te inclines sobre nenhuma chaga nem participes em nenhum festejo...

Omar Khayyam

arde o azul...

o meu país é um pássaro
que nunca mais cantou
um ramo de outono
aprisionado pela chuva

sobressaltou-se

o meu país caiu no lodo
quando cheguei
tinham roubado
uma árvore como a de Buda

disse para mim: ladrões
e de repente vi
ruas sem árvores
escolas sem estrelas
girassóis pisados pelos lobos
crianças vertiginosas e belas
sentadas em cálices de pedra.


às vezes ouço
uma harpa ou um sino
talvez um violino

há um cântico em segredo
nas folhas do vento
um anel feito de trevo


lá chegaremos



maat