Sunday, November 06, 2005

Ísis



E diz-me a desconhecida:
"Mais depressa! Mais depressa!
"Que eu vou te levar a vida! . . .

"Finaliza! Recomeça!
"Transpõe glórias e pecados! . . ."
Eu não sei que voz seja essa

Nos meus ouvidos magoados:
Mas guardo a angústia e a certeza
De ter os dias contados . . .

Rolo, assim, na correnteza
Da sorte que se acelera,
Entre margens de tristeza,

Sem palácios de quimera,
Sem paisagens de ventura,
Sem nada de primavera . . .

Lá vou, pela noite escura,
Pela noite de segredo,
Como um rio de loucura . . .

Tudo em volta sente medo . . .
E eu passo desiludida,
Porque sei que morro cedo . . .

Lá me vou, sem despedida . . .
Às vezes, quem vai, regressa . . .
E diz-me a Desconhecida:

"Mais depressa" Mais depressa" . . .




Interlúdio

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.


Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.


Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.


Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.


Fico ao teu lado.


CECÍLIA MEIRELES

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