Saturday, May 27, 2006

O CORAÇÃO e A ALMA

A brisa da manhã trouxe-nos uma mensagem:
Viste tu no caminho um coração pleno de fogo,
Viste tu este coração abraçado e cheio de paixão
Que incendeia cem rochedos de sua chama?



Rumi
Rubâi’ât (Paris: Albim Michel, 1993)

NINGUNA MUJER ES MEJOR QUE EL MAR



ninguna mujer
es mejor que el mar
y aun así
todos los peces caben en su vientre
toda la historia se resume en su caverna
todos nuestros delirios se aplacan en sus senos

ninguna mujer
es mejor que el mar
y en todas las ensenadas interiores
está escrito su nombre
en todas las galerías del recuerdo
hay una flor de fuego entre la niebla
unos besos que se irán a la tumba con nosotros

ninguna mujer
es mejor que el mar
y el furor de su oleaje
nos lleva a la cima
o nos hunde en el silencio de la muerte

ninguna mujer
es mejor que el mar
y aun así
mi faro no deja de buscarla
entre el nutricio mar de los sargazos


Osvaldo Saua - Costa Rica

Thursday, May 25, 2006

A ALMA




Votada ao fogo obediente ao perigo

feroz do amor ser muito e o tempo pouco,

Chegas ébrio de sonho, ó estranho amigo

E eu não sei se por mim és anjo ou louco.



Num beijo infindo queres morrer comigo.

Nesse extremo és sagrado e eu não te toco.

Esquivo-me: o teu sonho mais instigo.

Fujo-te: a tua chama mais provoco.



A incêndio do teu sangue me condenas

E com ciumentas ervas te envenenas

Dizendo às nuvens que só tu me viste.



Bebendo o vinho de amantes mortos queres

Que eu seja a mais prateada das mulheres.

E de ser tão amada eu fico triste.


natália correia

O ESPÍRITO

Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.


In: Sonetos Românticos

NATÁLIA CORREIA
(dedicado a maat)

Saturday, May 20, 2006

“Ó! Não fujas, gritei, porque a natureza morre contigo”.



Esperava ver-te e cobrir o teu corpo nu com um véu de seda da Índia…
Do tamanho do céu o véu em espirais de infinito …


Deusas

Que memórias as vezes me acordam,
De onde vêm? luzentes e fulgurantes, como raios,
mais parecem fadas luxuriantes,
pontos distantes de luz, que me ofuscam a mente.
Que visão instantânea de um mundo oculto
por pensamentos obscuros, estranhos, permanentes!

Abre-se por momentos, a visão de outro ser
que já fui autrora. ..
Recordações , memórias de auroras luminosas,
seres radiantes, etéreos, brilhantes,
cheios de ternura deslumbrante que nunca aqui vi...
Deusas, Sim!
A anunciar reinos distantes perdidos de nós,
Robôs do século X XI.




Ó Deusa Branca,

Senhora das fontes e dos lagos,
esquecida nas brumas do tempo,
chamo-te do mais recôndito do meu ser,
em cada célula um apelo, no meu corpo,
em cada átomo.
Não sei porque te envolve esse véu diáfano,
que te esconde na penumbra dos meus sonhos,
onde às vezes por piedade me sorris
ou me tocas com teu manto
que te esconde de mim .
Outras vezes,
afagas-me o rosto com uma pena das tuas asas
e foges para longe.
Queria amar-te mais se eu pudesse
e trazer-te para bem perto ...
Pedir-te Senhora, nunca me esqueças...
Tu és a razão única da minha vida,
tu és a minha essência e cada nervo.
A carne, o sangue e o tecido,
cada fibra do meu ser te pertence!


rosa leonor pedro

Thursday, May 11, 2006

E a porta lhe foi aberta.

Alguém bateu à porta da Bem-Amada, e uma Voz lá de dentro perguntou:
- Quem está aí?
E ele respondeu - Sou eu.
A Voz então disse:
- Esta casa não conterá nós dois.
E a porta continuou fechada. Então o Amante foi para o deserto e na solidão jejuou e orou. Retornou depois de um ano e bateu novamente à porta. E de novo a Voz perguntou:
- Quem é?
E o Amante respondeu:
- És tu mesma!
E a porta lhe foi aberta.

RUMI

HORUS

Muito para lá de Deus há um país
Onde o luar é duma outra cor.
Adivinham-se as rosas, não dão flor.
E as árvores estão poisadas, sem raiz.


Ei-lo, passa ao Sol-posto na alameda
Evoca e fica quedo erguendo os braços.
Prende nos dedos longos dedos lassos,
Os dedos do Mais Longe que se enreda.


Salas nos modos. O Passado extenso.
N alma há um jardim quase suspenso
Onde não desde Sombra. Ânsia absorta.



Portas nas atitudes que adormece.
Uma das portas não abriu. Esquece.
Meu Deus, o que estará para além da porta?



(in «Mais Alto»)


UM POEMA DE "ELOGIO DA DESCONHECIDA"


Ela. Seus braços vencidos,
Naus em procura do mar,
Caminhos brancos, compridos,
Que conduzem ao luar.


Se ao meu pescoço os enrola
Eu julgo, com alegria,
Que trago ao pescoço o dia
Como se fosse uma gola.


O Luar, lâmpada acesa
Pra alumiar à princesa
Que em meus olhos causa alarde.


E o dia, longe, esquecido,
É um lençol estendido
Numa janela da Tarde.


(in «Ânfora»)
Alfredo Guisado (1891-1975)

Saturday, May 06, 2006

"No alto do ramo mais alto, uma tão rosa maçã. Mulher.
Esqueceram-na os apanhadores de frutas? Não.
Mãos não tiveram para a colher..."


(Safo)



CLXIII

És infeliz? Se deixares de pensar
na tua dor não sofrerás mais. Se a tua
mágoa é imensa, invoca os seres que
tão injustamente sofreram durante a
criação do mundo.

Escolhe uma mulher de seios alvos
e trata de a amar. E que ela, por sua vez,
seja incapaz de te amar.

CLXIV

Infeliz, nunca saberás nada! Jamais
serás capaz de resolver um único dos
mistérios que te rodeiam. Uma vez
que as religiôes te prometem o Paraíso,
tenta tu criar um nesta terra,
porque o outro talvez não exista.


in RUBAIYAT

Tuesday, May 02, 2006

— Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
— Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!
Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de
alucinação,
és o elástico da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor penetra a boca,
passa-lhe em todo senso tua mão,
enche-o de mim, deixa-me oca...
— Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu coração!...


GILKA MACHADO


amo-te como todas as mulheres...


Lépida e leve
em teu labor que, de expressões à míngua,
O verso não descreve...
Lépida e leve,
guardas, ó língua, em seu labor,
gostos de afagos de sabor.


És tão mansa e macia,
que teu nome a ti mesmo acaricia,
que teu nome por ti roça, flexuosamente,
como rítmica serpente,
e se faz menos rudo,
o vocábulo, ao teu contacto de veludo.


Dominadora do desejo humano,
estatuária da palavra,
ódio, paixão, mentira, desengano,
por ti que incêndio no Universo lavra!...
És o réptil que voa,
o divino pecado
que as asas musicais, às vezes, solta, à toa,
e que a Terra povoa e despovoa,
quando é de seu agrado.


Sol dos ouvidos, sabiá do tato,
ó língua-idéia, ó língua-sensação,
em que olvido insensato,
em que tolo recato,
te hão deixado o louvor, a exaltação!


— Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
— Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!
Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de
alucinação,
és o elástico da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor penetra a boca,
passa-lhe em todo senso tua mão,
enche-o de mim, deixa-me oca...
— Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu coração!...


Língua do meu Amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contornas, que me veste quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
os surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...


Língua-lâmina, língua-labareda,
língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...
Força inféria e divina
faz com que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica, língua-cocaína,
língua de mel, língua de plumas?...


Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,

te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à ideia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...


Gilka Machado