Friday, July 03, 2009

COMO EU GOSTAVA DE ME SENTIR POETA...

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Como eu gostava de me sentir poeta
para condensar nos minúsculos utas
as minhas inquietações e medos.
Havia de me servir deles, minúcia artesã,
para cantar o meu amor aos animais,
aos cães, as aves e às galinhas anãs,
para exaltar a beleza do amr interior,
que deixa esta pátria adoptiva
cercada de água por dentro e por fora.
Havia de confessar neles a inveja que tenho
da coragem latejante dos samorais
e a minha cobardia ocidental
que me tolhe o gesto e a máquina da vontade
quando quero acabar com a cruz dos meus dias.

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De longe chegam as notícias de catástrofes;
a terra tremeu na Martinica, na Formosa e em Nápoles,
e aqui é a minha alma doente que estremece e vibra
sob o impulso de um vulcão secreto
que mistura sofrimento com júbilo,
que confunde doença com saúde eterna.
Podia encomendar a minha alma magoada
a estes acolhedores deuses da casa
com quem é possível falar e num instante
se tornam cúmplices em nome da eternidade.
Mas que hei-de eu dizer-lhes que eles não saibam já?
eu sou uma alma estremecida e indefesa
à espera que um tremor real da terra
daqui me leve para onde moram as outras almas.

Wenceslau de Moraes

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