Friday, January 03, 2014

MAS TU...



FONTE DE VIDA

(...) Mas tu, com os teus braços de raiz aérea,
puxas-me para esse cimo de montanha onde o silêncio
se transforma em sílaba – a sílaba inicial
do mundo, a interrogação do gesto nascente de todas as
origens, o soluço de um suicídio de murmúrios,
percorrido pela única percepção inútil: a da vida
que se esvai no instante do amor. E encostamo-nos à pedra
abstracta do horizonte. A que nos deixou sem voz quando
as grutas do litoral se abriram; para que a pedra nos beba,
gota a gota, todo o sangue. Então, é nas suas veias
que correm as nossas pulsações. E afastamo-nos, devagar,
para que a terra viva através de nós
uma existência puramente interior, despida
o fulgor animal das manhãs. Sentamo-nos
no mais longínquo dos quartos, de janelas fechadas, e
abraçamo-nos com um rumor de primaveras clandestinas,
com o inverno nos olhos.


NUNO JÚDICE

In A Fonte da Vida (excertos), 1997

No comments: